18 de agosto de 2011

Crisalyz

Sorri diante do fotógrafo e aquela luz me cegou por algum tempo. É maravilhoso poder guardar momentos especiais, como neste Natal aqui em casa, graças a esta invenção do homem chamada “Photografia”.
Crisalyz chegou logo após o retrato ter sido tirado, lamentou-se, e me deu um doce beijo, causando espanto entre as senhoras mais recatadas. Ela nem imaginava que teria sua mão pedida em casamento naquela noite. Seria uma doce surpresa que comoveria não só a ela, mas a todos os presentes. Seus olhos azuis me fascinavam e me davam a esperança de um futuro próspero. Teríamos filhos, nos mudaríamos para uma casa de campo, compraríamos alguns animais e cuidaríamos daquela fazenda durante toda a nossa vida.


Passei o dia inteiro experimentando meu novo vestido, minha mãe escolheu um tecido vinho para a ocasião sem se importar com o valor altíssimo daquela peça. Há muito tempo enfrentávamos uma crise financeira. Papai morrera há três anos de problemas circulatórios e depois disto mamãe perdeu totalmente a liderança sobre nossos negócios. Endividou-nos e obrigou-me a não terminar meu relacionamento com Venis Cameron, o milionário que queria ser simples.
Estava decidida a acabar meu noivado naquela noite, mesmo sendo à noite de natal. Só que a angústia daquela prisão adoecia meu carisma e a cada dia que passava meu amor por Marino crescia fortemente.
Havíamos nos conhecido durante uma viagem que fiz até Amsterdã junto com mamãe e lembro-me que somente depois de três insistentes semanas Venis concordou em deixar-me viajar. Venis era gentil, sonhador e modesto. Mas algo nele não me agradava, sua adoração doentia por mim.


Quando acordei senti minha cabeça meio zonza, por causa do vinho tinto da noite anterior. Fui até a caixa de correios, retirei todas as correspondências e dentre elas uma carta me chamou a atenção, uma carta de Crisalyz, uma senhorita que conheci em Amsterdã a uns três meses. Na ocasião, lembro ter me apaixonado a primeira vista por aquele par de olhos azuis como o mar. Conversamos sobre nossas vidas, sempre juntos da Senhora Izolda, sua mãe; falamos sobre a situação atual do nosso país e sobre a explosão industrial que tomara conta da Europa.
Numa certa noite em que sua mãe visitava a casa de uma amiga, resolvemos jantar juntos, e durante o jantar Crisalyz disse-me que era noiva de Venis Cameron, um grande industrial do ramo de doces e chocolates.
Depois do jantar acabamos expondo nossas vidas sentimentais. Eu disse que estava à procura de um grande amor e ela, querendo terminar um longo e obrigatório compromisso.
Beijamo-nos intensamente. Senti uma grande carência em seu beijo e ao mesmo tempo uma liberação de sentimentos retraídos. Levei-a até o seu hotel antes de sua mãe voltar e nunca mais a vi.
Abri a carta rapidamente e o que mais me interessou e me pôs esperança nos olhos foi quando Crisalys disse não suportar mais aquele relacionamento e que terminaria seu noivado com Venis no máximo até o fim da semana.
Decidi, então, que iria até seu remetente. Tudo bem que chegaria na noite de natal, mas não podia esperar o tempo passar sendo que alguém me amava mesmo sem me ver.


Colhi uma linda rosa vermelha e cheirei-a intensamente até sentir o perfume mórbido que as flores exalam. Notei que o sol já havia se posto e pedi a Deus coragem e firmeza diante dos fatos que ocorreriam naquela noite.
Caminhei durante meia hora e minhas lágrimas não paravam de brotar e escorrer pelo rosto. Se minha mãe notasse meu pranto me pressionaria mais uma vez usando as mesmas palavras cretinas do seu ridículo dicionário.
Quando entrei em meu quarto as criadas já preparavam com todo cuidado o caro vestido, lógico que debaixo das ordens enérgicas da Senhora Izolda.
Tomei um longo banho que me tranqüilizou um pouco. Alguma horas depois estava pronta para a noite de natal. Mamãe beijou-me a testa e disse-me: - “Sem dúvidas você será a mais bela das damas da festa, a mais linda senhorita que um homem possa sonhar”.

Deixei o trem rapidamente e segui numa carruagem até ao endereço que a carta dizia. Ao chegar, surpreendi-me com o tamanho daquele casarão e seu jardim muito bem cuidado.
Paguei o cocheiro e segui jardim adentro, bati na porta e uma criada atendeu-me; me apresentei e pedi que chamasse por Crisalyz.
Depois de alguns minutos, aquela bela senhorita de olhos azuis como o mar desceu rapidamente as escadas e segurou-me pelo braço levando-me até o jardim.
Nos beijamos e Crisalyz disse-me que estava com muitas saudades, saudades estas que se tornaram amor. Conversamos por algum tempo e tratamos juntos uns planos de fuga. Depois recebi um convite para a festa de seu noivo.
Quando me preparava para beija-la novamente, uma das criadas apareceu dizendo que a Senhora Izolda descia as escadas procurando por Crisalyz. Despedimo-nos e por algum tempo seu olhar me deu um misto de medo e esperança, até eu cruzar os portões de acesso à rua.

Depositei as alianças no bolso e desci para recepcionar meus convidados. Tentava provar a mim mesmo que não estava nervoso, mas minhas mãos trêmulas não me deixavam enganar.
Falei com os músicos, para que tocassem a melodia preferida de minha amada; interroguei os serviçais em relação às bebidas e a comida, com seus pratos de entrada e os principais.
Os primeiros a recepcionar foram algumas irmãs da casa de recuperação juvenil, “Coração de Jesus”: receberiam um cheque no decorrer da festa como doação; logo depois dei as boas-vindas ao Conde James Smith Swis e sua jovem esposa.
Olhei para fora e vi que a carruagem de Crisalyz acabara de chegar dando trabalho aos porteiros, pelo fato dos repórteres estarem um pouco indelicados.

Quando a carruagem de minha mãe parou em frente à mansão de Cameron, desci rapidamente mas os repórteres cercaram-me de interrogatórios sobre meu casamento com um dos maiores milionários da Europa. Desviei-me de todas as perguntas e entrei imponente na mansão de meu, ainda, noivo.
Ao entrar nos jardins da mansão onde a festa natalina se realizava, percebi a presença de Marino ao lado das piscinas, numa conversa aparentemente interessante com o Duque de Sthuts.
Todos me olhavam dos pés à cabeça, e ouvia comentários como: “Ela é mesmo maravilhosa”, ou, “Ela é uma princesa”.
Mas aquela maravilhosa princesa recusaria o trono para se tornar uma plebéia feliz.
A festa já estava bem animada, mas meu coração parecia disparar mais e mais a cada minuto que passava. Fui até Venis, beijei-lhe e lamentei não ter chegado antes para a tão esperada fotografia. Venis apresentou-me várias vezes aos seus convidados e depois me disse para sentar à mesa, pois uma surpresa me aguardava.
Não conseguia comer nada, bebi apenas uma dose de uísque num só gole, fazendo com que me afogasse, meus nervos estavam à flor da pele. Notei que Marino era só ansiedade agora sozinho numa mesa ao lado.
Minha mãe cutucou-me perguntando se conhecia aquele rapaz de algum lugar. Mas obviamente neguei o conhecer. Minha mãe continuou a encará-lo por um longo tempo, procurando em suas memórias aquela fisionomia.
A festa seguia agitada e divertida para os convidados e Venis sorria muito. Qual seria a surpresa que me esperava? Ou seja, quem acabaria surpreso naquela noite?

Depois de muito esperar, a meia-noite chegou, e todos começaram a se confraternizar. Um certo tumulto foi gerado pelo fato dos cumprimentos. Esta era a hora de Crisalyz fugir com Marino, esquecer sua vida obrigatória e todas aquelas máscaras que usava perante uma sociedade hipócrita que tanto odiava. A linda menininha de família deveria morrer naquele momento, dando lugar a uma corajosa e orgulhosa mulher.
Marino segurou sua mão, puxando-a fortemente para o fundo do jardim. Crisalyz olhou nos olhos do seu salvador e ouviu quando disse: “Esta é a hora e o bonde da liberdade nos espera”.
Venis subiu ao palco quando a música preferida de Crisalyz começou a tocar.
Venis chamou sua sogra e junto a ela pediu a mão de sua filha em casamento, retirou as alianças do bolso e quando as luzes apontaram para a mesa de Crisaliz, o que viram foi somente uma cadeira vazia e um anel de noivado sobre ela.
Venis durante um longo tempo, contratou detetives para localizá-la, mas foi em vão. Casou-se com uma escocesa num belo castelo, cinco anos mais tarde.
A Senhora Izolda Butterfly suicidou-se na frente de um trem um ano depois daquele natal, logo após perder sua casa à justiça.
Quanto a Crisalyz e Marino, o que se sabe é que embarcaram num dirigível rumo a América, a tão sonhada terra da liberdade.
Tiveram dois filhos: Victor e Elizabeth. Compraram uma fazenda com uma linda casa de campo, ganharam dinheiro vendendo geleia de frutas e continuaram naquele lugar até o fim de suas vidas. Sendo felizes para sempre.


FIM


Flávio Cuervo


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