1 de dezembro de 2011

Tempo de Viver

21 de Janeiro de 1995

Ruth estava deitada em seu leito e pela janela observava o céu, então fechou os olhos e tentou entrar em transe como fazia todas as tardes. Começou a recordar momentos bons e ruins vividos nesta sua vida breve: lembrou-se daquele dia que fugiu de casa com apenas 15 anos de idade e foi morar com sua amiga do outro lado da cidade, pois já não agüentava as lamúrias de seus pais; lembrou-se também da primeira vez que beijou Elias e sentiu que nunca mais seria a mesma; das canções infantis; dos livros que leu; dos discos que ouviu e dos filmes a que assistiu.
Só que as rotineiras imagens de agulhas e criaturas tomavam conta de sua mente, como se a obrigassem a aceitar a situação em que se encontrava e como se algo a culpasse por ter se embriagado tanto e injetado heroína durante um período de sua vida.
Sabia que havia errado no momento em que abandonou a todos e exagerado a ponto de contrair “aquela doença” e ser chamada de aidética.
Mas também sabia que era um ser humano que havia sonhado, amado e infelizmente optado por um mau caminho.
Irritava-se pelas críticas vindas do lado de trás das paredes de seu quarto, quando seus pais e seus amigos a julgavam e a condenavam por ter tido tantas experiências de vida. Mas se houvesse mais algum culpado naquela história, o culpado seria o destino, que nos manipula dando-nos a sensação de que às vezes somos personagens de um livro.
Levantou-se, foi até o banheiro, despiu-se e ligou o chuveiro. Ao passar pelo espelho notou que seu rosto estava mais magro. Passados cinco dias sem ver a sua imagem, quinze quilos já lhe faltavam em relação ao seu peso normal. Sabia que não podia se entregar, porém todas as vezes que se olhava no espelho era sempre um martírio à realidade nua e crua que a devorava a cada momento. Mas seus grandes olhos azuis, donos dos maiores elogios de sua vida, ainda brilhavam como os de uma menininha assustada.
Já durante a noite, tomou mais um dos coquetéis trazidos sempre pela enfermeira Ana, sua amiga e conselheira.
Dias atrás, fingiu ter tomado os comprimidos amarelos e durante a noite sua crise asmática a pegou com força total, levando-a para o balão de oxigênio.
Estava ansiosa pela visita de Elias, Ana comunicou-lhe que ele havia ligado, dizendo que a visitaria na manhã seguinte.
Elias era repórter de uma grande revista semanal e por esse motivo conhecia mais os aeroportos do que a sua própria casa. Elias havia sido seu maior amor, seu grande amigo de infância e se transformara em seu amor adolescente. Mas quando Ruth decidiu fugir de casa, teve que abandoná-lo e nunca mais o vira. Até certo dia em que ele descobriu que Ruth estava doente, retornando para revê-la, só que um pouco tarde demais. Ruth não sabia como seria o amanhã, seu coração poderia parar de bater a qualquer momento e o prazo máximo eram seis meses.
Ruth adormeceu rapidamente, mesmo estando ansiosa para que chegasse logo o outro dia.
Sonhou então, que era criança e caminhava entre a grama e flores de diversas cores. Ao fundo podia-se ver um grande lago com um pequeno barco à sua margem, o céu estava azul e a luz do sol a aquecia dando a sensação de uma paz estranha que nunca havia sentido. Percebeu que por todos os lados havia pequenos globos brilhantes como estrelas de diversas cores flutuando no ar. Chegou perto de um deles e a curiosidade levou-a a tocá-lo, de repente, aquele globo começou a emitir um canto tão agudo e estridente que dizia: “Tenha fé, tenha fé, tenha fé...”. Começou a ficar preocupada com aquilo, tentando tapar os ouvidos. Quando olhou para os lados, notou que todos os outros globos começavam a se deslocar e girar em volta de si, como se fosse uma dança. E giravam, giravam, giravam cada vez mais forte e ensurdeciam seus ouvidos, deixando-a a beira da loucura.
Acordou assustada e ficou sentada por alguns minutos sem entender o que havia se passado e o que era aquele sonho.
Na manhã seguinte acordou bem disposta, sendo isto meio raro, pois a doença e os remédios não lhe proporcionavam momentos de disposição.
Lavou-se, vestiu seu vestido azul, presente de sua avó. Quando ouviu a porta se abrir, era Ana, mas seu lindo sorriso de todos os dias estava diferente. Naquele momento seu sexto sentido lhe dizia que Elias havia ligado novamente, para dizer que não poderia visitá-la, e de fato seu sexto sentido estava certo. Ana lhe comunicou que ele estava na África e seu vôo fora adiado por três dias, por causa das guerras civis daquele continente.


Elias estava a ponto de explodir com a funcionária do aeroporto, pois não acreditava no que acabara de ouvir. Ruth não poderia ter mais decepções do que já tivera, mais uma vez mandou-lhe dar um recado e mais uma vez não apareceria. Tudo por causa dessa guerra maldita, deste mundo ganancioso e desumano onde vivemos. Nunca tinha visto tantos cadáveres, sua mente estava totalmente transtornada e a ansiedade de voltar para casa era quase insuportável.
Teve então uma idéia que talvez funcionasse. Foi até um telefone público que ficava ao lado das escadas e ligou para um amigo que era tenente em trabalho nas Nações Unidas.
Tentou por quase meio hora até que alguém atendeu. Pediu que chamasse por seu amigo e algum tempo depois ele atendeu. Elias explicou a situação e perguntou se algum avião cargueiro sairia deste país naquele dia e se seria possível o seu regresso para casa.
A resposta demorou algum tempo, pois seu amigo teria de consultar seu superior, o comandante Paes, que o conhecia de certa cerimônia militar. A resposta foi curta e rápida, “Sim”, um avião regressaria para casa às 23h30min daquele dia, a fim de buscar mais soldados para a infantaria e que poderia viajar junto com alguns oficiais daquele avião. O comandante Paes havia se recordado de Elias e elogiado o seu trabalho e a sua pessoa. Teria de estar na embaixada às 22h00min para providenciar sua volta e assinar alguns papéis.
Elias agradeceu muito e desligou o telefone.
Atrasar-se-ia por algumas horas, mas com certeza Ruth entenderia. Mas havia ligado durante a manhã avisando a uma enfermeira chamada, Ana, de que não poderia comparecer ao hospital, mas tudo bem, uma surpresa seria agradável e divertida.


No momento em que Ruth ouviu a confirmação, sentiu algo que já havia experimentado: a depressão. Era como se naquele momento tudo houvesse parado, como se o universo inteiro estivesse inerte. Talvez este fato tenha sido a gota d’água num copo frágil de cristal chamado tolerância.
Suas únicas palavras foram: “Eu quero ficar sozinha”.
Ana fitou-a com os olhos cheios d’água e em silêncio saiu do quarto sem dizer uma palavra. Ana tornara-se tão amiga de Ruth que certo dia sua chefa chamou-a em sua sala para adverti-la sobre sua amizade com Ruth, era a velha história do profissionalismo sobre os sentimentos humanos.
Enquanto Ana orava na capela do hospital, Ruth encontrava-se sentada num canto do quarto. Suas lágrimas eram quentes e seus olhos já não brilhavam como os de uma menininha assustada, seu olhar era vago e imóvel. Na sua mente o silêncio ia devorando-a rapidamente como um buraco-negro.
Depois de uma hora aproximadamente, Ruth levantou-se, foi até o banheiro lentamente e fitou-se no espelho. Começou a gritar desesperadamente: “Quem é você? Que merda de vida é esta? Que porra de vida sou eu? Deus me ajude”.
Ruth sentiu uma forte dor no peito e repentinamente trancou a porta do banheiro. Virou-se para o armarinho da parede, arrancou-o, quebrando o espelho e alguns recipientes do seu interior. Abaixou-se e pegou dois pedaços pontiagudos do espelho, segurou um em cada mão e num rápido movimento cortou os dois pulsos quase ao mesmo tempo. O sangue começou a escorrer e a manchar seu vestido azul e as paredes. Ruth debatia-se de um lado para o outro como num transe mortal, a única coisa que sentia era apenas a ardência dos seus pulsos abertos, numa dor insuportável.
Mas, ao contrário do que ela mesma esperava, não estava com medo, e sim, enfurecida pela existência que teve e arrependida de ter tomado um caminho sem volta e sem vida.
Quando as pessoas que estavam no corredor ouviram aqueles gritos vindos do quarto, correram a fim de ver o que se passava. Chegaram ao quarto e um dos médicos, depois de algum tempo, arrombou a porta do banheiro e encontrou-a já desacordada ao chão, pálida e quase sem vida.






Ruth deixou sua bicicleta encostada numa árvore, retirou os sapatos e sentou-se numa pedra para molhar os pés no lago. Observou alguns peixinhos nadando perto de si e sorriu por haver vida onde quer que você fite os olhos.
Olhou para cima, protegeu os olhos com as sombras das mãos e viu alguns patos que seguiam para o norte, já que os nossos dias de calor estavam acabando. Mas se o inverno chegasse não se incomodaria, pois adorava ver pela manhã a neblina que tomava conta das ruas e a lareira que seu pai acendia à noite antes do jantar.
Ruth desejou, naquele momento, nunca sair daquele lugar. Tinha apenas 15 anos, mas julgava-se responsável pelos seus desejos, e se naquele momento pudesse desejar alguma coisa, seria nunca deixar de ser ela mesma.
Levantou-se, amarrou os sapatos no guidão da bicicleta e saiu pedalando sobre a grama e as flores de diversos tons.
Deveria estar em casa antes das 18h30min e o sol já começava a se pôr, irradiando uma luz dourada por todo o campo, dando a sensação de que estava no paraíso e que Deus havia sido um grande amigo, quando lhe deu uma vida tão maravilha para viver.
Ruth seguiu pedalando até sumir no horizonte, sem perceber que havia deixado cair do seu bolso, no meio do caminho, um poema escrito naquela manhã por sua amiga Ana, que dizia:


DOR

Ontem me disseram
Que os solitários
Só escrevem sobre si.

Tomam uma forma
De egoísmo mesquinho
Algo como um muro de concreto.

Se masturbam
Tornam-se ateus
Apodrecem num leito
Num leito de lençóis brancos.

Se lembram dos velhos amores
Calam-se diante da fúria
Queimam-se com cigarros
Para aliviar a dor da lágrima
Que corre pelo corpo.

Quando chega alguém
Ele esconde o choro
Para mostrar que é forte
Para provar a si mesmo
Que a alma não existe.

Não quer o apoio de ninguém
Quer morrer poeta
Sublime amor perfeito
Que um dia sonhou em ter.

E às 03:00 horas da manhã
Passa a navalha pelos pulsos
Porque as queimaduras
Não dão mais resultados.

Se entristece pelo amor
E pela dor que parece ser no coração
Não grita nem reclama
Pois a dor de quem ama
É melhor que a solidão de quem vai.

Elias está jogado ao chão
Com sangue, bebidas e cigarros de maconha
No seu rádio toca aquela música
No seu rosto a última lágrima.

O último segundo de uma vida
O início de sonhos
Na cabeça de uma alma
Que flutua e ri
Por estar nascendo.

Flávio Cuervo

Dia Mundial de Combate à Aids

O dia 1 de dezembro foi internacionalmente instituído como o Dia Mundial de Combate à Aids e é quando o mundo une forças para a conscientização sobre essa doença. Desde o final dos anos 80, tal dia vigora no calendário de milhares de pessoas ao redor do mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde, ao final de 2007, 33 milhões de pessoas conviviam com o vírus do HIV no planeta, e diariamente surgem 7.500 novos casos.

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