4 de julho de 2012

Violou o cofre do Banco Nacional com muito cuidado para que o alarme não o denunciasse e saiu pelo mesmo lugar que entrou, o teto.
Desceu pela escada de incêndio, jogou fora a roupa preta camuflada e saiu andando pela rua, como um cidadão normal e pacato. Só que em sua mão havia algo que o diferenciava dos singelos cidadãos que passavam desapercebidos pelas ruas daquela grande cidade, uma maleta com um milhão de libras. Mas havia também outra coisa que o diferenciava dos outros andarilhos noturnos, um sorriso sarcástico e incontrolável.
Parou num café, pediu um capuchino e algumas torradas com queijo derretido. Ligou para a “Cruz de Malta” e lhe comunicou que já estava com o “Castiçal” em mãos.
Encontraram-se no lugar marcado e do um milhão de libras que possuía, ficou com cento e cinqüenta e cinco mil, pois trato era trato.

Chegou em casa por volta das 5:15 H e Vivian dormia serenamente com sua camisola branca que em nada combinava com o lençol de cetim vermelho espalhado pela cama.
Oi meu amor. Estou de volta com alguns milhares de libras na mão. Tudo deu certo, graças a Deus.
Oi... estava preocupada. Devo ter tomado uísque demais e acabei dormindo. Se eu não estivesse bebido, não agüentaria esperar por você.
Só que tome cuidado para não virar uma alcoólatra, querida. Todas as vezes que eu saio você toma um porre!
Eu não agüento ficar longe de você...
Eu é que não agüento ficar perto de você sem tocá-la e beijá-la inteiramente.

O dia amanheceu com o céu nublado e os telhados brancos por causa da neve que caíra a noite toda.
Vivian levantou-se, tomou um banho e minutos depois preparava o café da manhã com muito carinho, como sempre, para Louis que dormia profundamente.
Ligou a televisão e começou a procurar algum telejornal que falasse do roubo ao Banco Nacional na noite anterior. E de fato não foi difícil encontrar, já que vários canais falavam do tal assalto. O mais importante foi quando ouviu a repórter dizer que a polícia não tinha pistas da identidade do assaltante.
Desligou a TV, pôs um disco do “Pink Floyd” na vitrola e foi até a porta do quarto para observar Louis dormindo.
Deitou-se ao lado do seu amado e começou a beijar sua orelha. Louis resmungou um pouco e abriu seus olhos castanhos.
Que horas são? – perguntou Louis.
Porque quer saber das horas? Não temos compromisso nenhum! Hoje quero apenas você e mais ninguém.
E se saíssemos para comprar roupas? Depois beber e comer algo num pub qualquer? Mas não aqui em Londres, fretamos um helicóptero e vamos até Dublin. Que tal?
Ótima idéia! Mas se agasalhe bem, o frio lá fora está terrível. Ah, os telejornais não dizem outra coisa a não ser sobre o assalto ao banco.
E o que eles dizem?
Não se preocupe. Eles não descobrirão a sua identidade. A polícia não achou nenhuma prova no local. – finalizou Vivian dando uma gargalhada.


As risadas de Vivian eram ouvidas por todo o prédio, Louis a todo o momento a mandava calar-se, mas era inútil.
Você nunca viu uma mulher bêbada antes?
Ninguém precisa ficar sabendo que você bebeu, e além do mais, nosso trabalho exige sigilo, ou seja, silêncio.
Tudo bem... Eu faço... Mas vamos fazer amor no elevador? – disse Vivian tentando desabotoar o casaco de Louis.
Calma, aqui não! Sabe, acabei de descobrir que você é insaciável.
Você não quer transar comigo?
Ok, vamos lá. Mas faça silêncio.
Fazer amor no elevador era um antigo desejo de Vivian, satisfazer seus desejos talvez fosse a fórmula de viver mais intensamente.
Saíram do elevador, olharam para os dois lados do corredor e correram para o apartamento. Tomaram banho juntos e dormiram exaustos depois de um dia movimentado como aquele.

Logo que acordou Louis olhou para o relógio, 13:37 H, lembrou-se da secretária eletrônica, não ouvira as gravações do dia anterior. Seu informante ficara de ligar para dar alguma informação, sobre algo novo a fazer.
Deu um pulo da cama, dirigiu-se até a escrivaninha e apertou o play:
Cruz de Malta falando. Temos um trabalho para você. Detalhes dentro de uma maleta que auto se destruirá às 15:00 H. nos armários populares da estação rodoviária, gaveta 187 com a combinação é 314497. Esperaremos o retorno de sua resposta até as 15:00 H. Ah... o chefe manda avisar que agradece por mais este trabalho que com certeza você aceitará. Se você não aceitar já sabe o que pode acontecer. Entrar neste ramo é fácil, sair é difícil. E não se esqueça, esperamos sua resposta até às 15:00 H, Cruz de Malta, desligando.
Meu Deus são 13:40 H. Droga! Acabei de sair de um assalto à banco e eles querem que eu me arrisque novamente! Deve ser algo mais arriscado, pelo tom de voz do informante. O que será? Bem, se eu ficar aqui parado não vou ficar sabendo o que eles querem.
Louis vestiu seu terno preto, colocou sua 765 na cintura e por último vestiu seu sobretudo. Olhou para Vivian dormindo, pensou em acordá-la, mas achou melhor deixá-la descansando e saiu para a estação rodoviária.
Percorreu umas três quadras a pé para não pegar um táxi em frente a sua, atual, residência. Olhou para o relógio 14:03 H., assustou-se com as horas e achou melhor pegar um táxi o mais rápido possível.
Durante a viagem pedia a todo o momento para o motorista andar mais depressa, só que o trânsito estava terrível e o táxi ficava mais inerte do que em movimento.
Pelo amor de Deus. Ande mais rápido. Já lhe disse que tenho um compromisso às 15:00 H. e não posso me atrasar!
Sinceramente, senhor. Não vai dar tempo de chegar até a estação rodoviária antes das 15:00 H. O trânsito está muito intenso. Aliás, há tempo que eu não via um congestionamento dessas proporções.
Então eu vou a pé... tome o seu dinheiro e fique com o troco.
Louis bateu a porta do carro com violência e começou a correr entre os carros alucinadamente. Olhou para o relógio 14:37 H., foi então que percebeu que não ia dar tempo de chegar no horário marcado.

Uma dor de cabeça insuportável foi a primeira coisa que Vivian sentiu ao acordar. Sentou-se na cama, mas teve que se deitar novamente, pois vomitaria se continuasse sentada.
Eu juro que nunca mais bebo. Louis! Louis! Louis, me ajude... eu estou passando mal. Louis...
Vivian levantou-se novamente e tentou suportar o mal estar, ficou de pé ao lado da cama e sentiu a sua pressão cair bruscamente, mas mesmo assim continuou em pé. Lentamente foi até o banheiro, vomitou no vaso sanitário e sentiu uma certa melhora. Ligou o chuveiro e tomou um longo banho que a reanimou. Mas não parava de pensar e Louis. Onde ele devia estar? Será que saíra para comprar algo? Fazer compras era meio improvável, pois todas as despesas eram feitas através da Internet.
Desligou o chuveiro, vestiu seu roupão grego que comprara na última viagem que fez a “negócios”, e dirigiu-se para a sala. Ao olhar para a escrivaninha viu um bilhete de Louis e o leu com as mãos tremendo.
“Vivian, fui informado sobre mais um trabalho a fazer. Infelizmente tenho que ir até a estação rodoviária para ter mais informações. Espero chegar lá há tempo.

Beijos, Louis “.

Miseráveis, ele acabou se sair de um assalto e querem que se arrisque novamente?
Vivian imediatamente pegou seu celular, talvez fosse mais seguro, ligou para o de Louis e depois de três chamadas ele atendeu:
Vivian, é você?
Sim. O que está acontecendo?
Estou chegando na estação rodoviária neste momento, mas é tarde demais, já são 15:14 H. e a mala se autodestruiria às 15:00 H.
Mas o que eles querem agora? – falou indignada.
Eu não sei. As informações estavam dentro da mala num dos armários da estação. Eles me deram o código e o número para abrir a porta. Mas é tarde demais...
Mas pelo menos vá até o armário, com muito cuidado, é claro.
Já posso ver os armários ao longe. Mas há vários policiais no local e não há sinais de explosão!
Tome cuidado, Louis.
Eles fizeram um cordão de isolamento e eu agora estou no meio dos curiosos.
Tenho certeza de que era uma armadilha.
Estou chegando a esta conclusão também. O armário está intacto. Gostaria de verificar melhor, mas vou sair daqui, antes que os policiais resolvam colher informações entre os curiosos, ou outro tipo de averiguações.
Louis virou-se e começou a caminhar em direção a saída, olhou para trás e percebeu que dois homens de terno o seguia.
Estou sendo perseguido. - Disse sentindo seu coração pulsar cada vez mais forte.
Saia logo daí!
Estou andando o mais rápido possível! Há muita gente transitando. Onde eles estão...? Eu os perdi de vista.
Saia já deste lugar e pegue um táxi para casa. Estou com um mal pressentimento.
Estou saindo neste momento. Táxi. Táxi...
Olhe pra trás. Ou melhor, pra todos os lados.
Consegui um táxi... a ligação parece que vai cair... te vejo mais...
Pelo amor de Deus, não demore. Um beijo meu amor. – disse Vivian mesmo com a ligação caída.

A noite caía precocemente lá fora, pois uma nevasca cobria tudo de branco e tornava quase impossível dirigir naquelas circunstâncias, tornando tudo um caos. E no interior do apartamento de Louis e Vivian as coisas não estavam diferentes.
Não podemos continuar neste apartamento, logo eles estarão arrombando esta porta e sei lá o que farão conosco. – disse Vivian desesperada.
Pegue alguns objetos pessoais e munição, a mala de libras eu pego, sairemos daqui neste momento. Não quero ser mais um alvo desta máfia nojenta.
Saíram cinco minutos depois e foram para o elevador. Quando a porta se abriu deram de frente com os dois homens que perseguiram Louis horas atrás. Ao verem Louis e Vivian, os dois enviados de Hans Krauser imediatamente sacaram suas armas, mas era tarde demais, estavam mortos, cada um com um tiro de 765 na testa.
Esta foi por pouco. – disse Louis aliviado.
Graças... mas ainda matar alguém me causa um certo arrepio. Se não fosse os anos de experiência, estaria apavorada neste momento.
Acho melhor descermos pela escada. – disse Louis
Concordo. Este sangue pode chamar a atenção de alguém.
Saíram do prédio com muito cuidado, olharam para todos os lados para não serem surpreendidos novamente, usaram o velho truque de caminhar algum tempo antes de pegar um táxi e saíram depois rumo a qualquer lugar que os deixassem fora de perigo.
No interior do táxi olhavam a todo o momento para trás, mas nada de anormal acontecia.
Para onde estamos indo, Louis?
Vamos para a estação de trem. Eu não consigo entender o porquê desta cilada contra mim?!
Eu acho que sei o porquê disso tudo. Eles perceberam que estávamos a fim de sair do mundo do crime. E como nós não somos diferentes dos outros que tentaram sair desta um dia... bang... o preço é a morte. – disse Vivian trêmula.
Mas não vamos nos render facilmente. Estou farto de ser manipulado por homens viciados em charutos fedorentos atrás de uma mesa de ferro enferrujado.
Para onde vamos? – perguntou o motorista com olhos de curiosidade.
Estação de trem. O mais rápido possível.
Pois não senhor.

A estação de trem estava quase deserta, apenas algumas pessoas esperavam sentadas e impacientes. Mas entre aqueles cidadãos de caras cansadas depois de um dia de trabalho, alguns homens da máfia esperavam por suas vítimas.
Quando viram seus alvos entrarem na estação, verificaram suas armas e começaram a seguí-los. Mas de uma distância que não os denunciasse.
Aonde faremos o serviço? – disse o jovem de cabelo ruivo.
Calma, neste ramo temos que ter paciência. Você aprenderá com o passar do tempo.- respondeu o homem mais velho.
Quem são eles?
Velhos companheiros. Mas as suas mortes já estão encomendadas. Tudo que o chefe manda eu faço. Se não for a hora deles, será a minha. E nesta escolha, escolho ser um assassino. – falou friamente o capanga.

Duas passagens para Amsterdã, por favor.
Para Amsterdã sairá um trem somente há 03:00 horas, senhor.
Qual é o próximo trem para fora da cidade? – perguntou nervosa Vivian.
Temos um daqui há 30 minutos, senhorita. Partindo para Bruxelas.
Ótimo, duas passagens, então. – disse Louis.
Sentaram-se nas poltronas no centro do salão de espera e parecia que o tempo não passava.
Nas poltronas atrás do casal fugitivo encontravam-se os capangas da máfia. No rosto do mais jovem via-se a impaciência de matar rapidamente e acabar com aquela angústia que corroia todo seu ser. E no rosto do mais velho o sorriso prazeroso de ser caçador com sede de matar.
Faltam 15 minutos... ainda.
Louis não olhe agora para trás, mas há dois homens de Krauser sentados nas poltronas aqui atrás. Um deles é Smith, lembra-se?
Que droga! Vou contar até três e nos levantamos de frente para eles. Retire agora sua arma e a deixe em punho.
Eu devo atirar? E as pessoas? Estamos num lugar público Louis!
Se virarmos e atirarmos, perderemos o trem. Se permanecermos parados seremos executados. Quer saber de uma coisa? Atiramos.
Infelizmente, tenho que concordar.
Um dois e ... três!
Levantaram-se rapidamente e começaram a atirar nos dois homens da máfia. Louis acertou o mais velho com dois tiros certeiros na testa enrugada de experiências mafiosas. Mas Vivian errou o primeiro tiro dando tempo para o rapaz de cabelos ruivos revidar e acertar o peito da bela loira de olhos expressivos e misteriosos. Mas mesmo ferida Vivian conseguiu acertar o peito do rapaz que atirou novamente errando seu alvo que agora era apenas um vulto.
Os três corpos caíram no chão ao mesmo tempo. Gritos e choros de desespero eram ouvidos por toda a estação, mas ao contrário disso, Vivian gemia baixo e olhava profundamente nos olhos de Louis que chorava desesperadamente.
Meu amor, não se preocupe. Tudo vai acabar bem. A culpa é toda minha. Foi eu quem quis partir para a violência.
Eu te amo. E... te amarei eternamente.
Não fale assim, meu amor. Temos que sair daqui agora!
Eu... não consigo... eu...
Você consegue. Eu sei que consegue. Vamos, eu te levanto.

As pessoas olhavam e o que sentiam era um misto de medo e dó. Louis a carregava no colo e seguia para fora, no chão o grande rastro de sangue mostrava a gravidade da situação.
Ao chegar na porta de saída, vários carros da polícia e dezenas de policiais já cercavam as portas impedindo-o de prosseguir.
“Pare onde está, ou abriremos fogo. Sua identidade já foi revelada Sr. Louis Ford. Recebemos uma ligação dos seus próprios companheiros da máfia. Repito largue sua esposa agora ou abriremos fogo contra você. Você foi denunciado. Já sabemos que você roubou o Banco Nacional e outras dezenas de lugares”.
Louis estava parado em frente à porta central. Gritava desesperadamente dizendo que não se entregaria.
Meu amor responda. Responda meu amor. Não me deixe só. Eles não podem vencer.
Louis sentou-se no chão com sua amada já morta em seus braços, levantou a cabeça e soltou um grito ao perceber ou ao admitir que Vivian morrera em seus braços por causa da sua atitude de querer partir para a violência. Os policiais se aproximaram e o renderam com extrema violência. Algemaram-no, levando-o preso em seguida. Seus olhos não se moviam, como se no fundo do seu olhar, houvesse um buraco-negro. Não dizia uma palavra e nem respondia as perguntas e aos tapas na cara dados pelos policiais.

Um ano depois Louis já se encontrava na condição de presidiário. Fora condenado a cinqüenta anos de prisão sem direito a condicional. Dividia a cela com um pintor, traficante de êxtase, condenado a quinze anos de detenção.
Louis se tornara uma pessoa séria e quase não falava com ninguém, nem mesmo com seu companheiro.
Subiu na cama beliche, ficou em pé olhando pela janela da sua cela as torres de Londres cobertas de neve e mais uma vez sentiu-se assassino e incapaz de lutar contra aquela culpa que corroia seu ser.
Gostaria de morrer e juntar-se a Vivian aonde quer que estivesse. Mas suicidar-se era dar uma chance para a derrota e a vingança talvez fosse a única coisa que o motivaria a continuar vivendo. Destruir a máfia que o traiu e destruiu seus sonhos é o que lhe faria viver.
Sentiu uma lágrima escorrer pelo rosto e depois disse:
O frio de Londres me faz sentir o calafrio da morte. O sepulcros da ganância nos fizeram criminosos. Ao morrer vi em seus olhos a imperfeição misturada com o desejo de ser livre. Meu Deus! Por que não fomos inteligentes? Fomos traídos por nós mesmos, na estupidez de um amor incomum. Éramos frios, mas donos de nossas vidas. Éramos assassinos, na audácia de sermos diferentes. Hoje, sou a normalidade e meu ego é uma cela qualquer. Você é uma luz no horizonte. Uma alma a caminho do inferno. O tom de sua boca não combina com seu sangue e a torre de Londres tem o tom de sua pele. Sempre te amei, mas a morte lhe cai bem, pois crime e amor não combinam. Descanse em paz, minha amada. A vida me fez assim, assassino de mim mesmo.


Flávio Cuervo


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